A dificuldade que se tem no relacionamento com Don Crescenzo resulta do facto de ele ser surdo. Não ouve a mais pequena coisa, mas é demasiado orgulhoso para ler nos lábios. Além disso, não se pode iniciar uma conversa com ele escrevendo simplesmente qualquer coisa num papel. Não; tem de se fazer de conta que ele é ainda uma parte do nosso mundo barulhento e falador.
Quando perguntei a Don Crescenzo como passara o Natal, estava ele sentado numa cadeira de vime à entrada do seu hotel. Eram seis horas e o cortejo das caravanas tinha passado. O silêncio reinava e sentei-me na outra cadeirinha de vime, exatamente por baixo do barómetro com a imagem de publicidade da linha marítima, um barco branco no mar azul. Repeti a minha pergunta e Don Crescenzo levou as mãos às orelhas e abanou a cabeça com pesar. Em seguida, retirou um bloquinho e um lápis do bolso; eu escrevi a palavra Natale e olhei-o, expectante.
Eis, pois, a minha história de Natal que é, na verdade, a de Don Crescenzo.
Outrora pobre, Don Crescenzo é hoje um homem rico, patrão de mais de cem empregados, dono de grandes vinhas e pomares de limões, e de sete casas. Imaginem um rosto que, a cada ano de surdez, vai ficando mais suave, como se os rostos fossem sendo formados e marcados pelo ato constante de falar e responder. Deviam vê-lo a passear por entre os hóspedes do seu hotel, atencioso e triste, imensamente só! É ainda conveniente saberem como gosta de contar coisas da sua vida e que não fala aos gritos, mas em voz baixa.
Já o escutara muitas vezes e é claro que conhecia a história do Natal. Sabia que começava com a noite em que a montanha “viera”. Continuar a ler →